Sobre o Liber Studium e a Arqueologia do Capitalismo

Texto de Beatriz Valladão Thiesen

A partir dos anos 90, uma forte corrente de estudiosos na América passou a defender o Capitalismo como o foco adequado da tradicionalmente chamada Arqueologia Histórica, que passou a ser considerada como o estudo “em termos históricos, culturais e sociais concretos dos efeitos do mercantilismo e do Capitalismo que foi trazido da Europa em fins do século XV e continua até hoje” (ORSER, 1992 p. 23). O mais importante de tudo é compreender que o avanço do sistema capitalista mundial foi responsável por uma feroz e intensa reordenação da sociedade que atingiu os mais diferentes níveis. De acordo com Lima (2002, p. 121),

profundas alterações foram e continuam sendo introduzidas nas relações inter-pessoais, nas relações sociais, nas relações com a natureza, na estrutura da família, na organização do trabalho, aí incluindo o doméstico, remodelando a maneira como pensamos acerca de nós mesmos, a maneira como criamos laços e construímos nossas ligações com os outros.

Essa cultura material diversificada carrega em si a narrativa de diferentes facetas de um mesmo drama: estratégias de sobrevivência, de dominação ou resistência; relações de trabalho, de gênero ou étnicas; divisões econômicas, religiosas ou espaciais, e tantas outras questões. Se o Capitalismo abrange todos os aspectos da vida, o estudo das suas origens e desenvolvimento não pode ser restrito somente à variáveis econômicas: ele engloba modo de vida, concepções sobre o indivíduo, maneiras à mesa, música, disciplina do corpo, etc.

Consolidado, embora também criticado, preferimos adotar o termo Arqueologia do Capitalismo a fim de não compactuar com a percepção etnocêntrica e binária que divide os povos entre os que não possuem história e os que possuem história. Por outro lado, esta é uma Arqueologia que procura o comprometimento social. Tomando as palavras de Funari (2002, p. 146) esta Arqueologia

abre a oportunidade para os arqueólogos confrontarem suas evidências de uma perspectiva crítica, observando as contradições tanto no passado como no presente (...). A Arqueologia brasileira tem, hoje, uma oportunidade sem igual de se engajar na recuperação dos grupos subalternos e de lutar por liberdade.

O objetivo final da Arqueologia do Capitalismo é uma prática que desafia o próprio Capitalismo. É com base nestas considerações que justificamos a existência nesta Universidade, no Instituto de Ciências Humanas e da Informação, do Liber Studium – Laboratório de Arqueologia do Capitalismo.

 

Objetivos do Laboratório: 

  1. Realizar pesquisas arqueológicas com foco nas questões vinculadas ao capitalismo e seus vários componentes, desde o final do século XIV até hoje;
  2. Promover a divulgação dos resultados das pesquisas nele desenvolvidas;
  3. Promover a divulgação do conhecimento arqueológico através de atividades de ensino, pesquisa e extensão;
  4. Prestar assessoria técnica e científica a outras instituições de ensino e/ou de pesquisa públicas ou privadas atuando na área da cultura e do patrimônio cultural;
  5. Apoiar o ensino e a pesquisa de graduação e pós-graduação.

Referências

FUNARI, P. P. A. Desaparecimento e emergência dos grupos subordinados na arqueologia brasileira. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 131-153, 2002.

LIMA, T. A. O papel da arqueologia histórica no mundo globalizado.  In: SENATORE, M. X. e ZARANKIN, A. Arqueologia da sociedade moderna na América do Sul: cultura material, discursos e práticas. Buenos Aires: Ediciones Del Trident (Coleccion Cientifica), p. 117-127, 2002.

ORSER, C. E. Jr. Introdução à Arqueologia Histórica – Tradução e apresentação Pedro Tradução e apresentação Pedro Paulo Abreu Funari. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1992.